quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Popularidade da Dança de Salão



A que se deve a crescente popularidade da dança de salão nos últimos anos?

A crescente popularidade das danças de salão ou danças sociais no Brasil, durante a última década, leva-nos a perguntar que fatores têm contribuído para este crescimento.
O século XX descobriu novamente o corpo humano.
Nunca, desde a antigüidade, ele foi tão amado e recebeu tanta atenção.
Depois de séculos dominado por uma tradição religiosa que privilegiou o espírito e considerava o corpo como a fonte dos pecados, o homem voltou a se ver como um ser total.
O intenso desenvolvimento dos esportes e da dança, em todas as suas modalidades, bem como o crescente interesse pela moda e pela manutenção da boa forma física demonstram esta mudança na maneira de nos relacionarmos com nosso próprio corpo.
A evolução da fotografia, do cinema e da televisão contribuiu para aumentar ainda mais este verdadeiro culto pelo corpo, pelo aspecto visual, que vem sendo incrementado nas últimas décadas, formando um ambiente propício à atual onda de popularidade da dança de salão, para a qual outros fatores, mais específicos, também têm contribuído.
Até a década de 1960, a dança social era praticada, indiscriminadamente, por pessoas de todas as idades e nos mais diferentes locais e tipos de eventos.
Era uma das formas de lazer mais populares, figurando entre os divertimentos preferidos por todas as camadas sociais, especialmente no Rio de Janeiro.
Numa publicação de 1906, o famoso poeta Olavo Bilac comentava:
"O Rio de Janeiro é "a cidade que dança"...
A dança é, sempre foi e sempre será um divertimento universal.
Foi ela a primeira arte que os homens cultivaram e amaram...
Ela é ainda hoje amada e praticada em todos os pontos da terra...
Mas, no Rio de Janeiro, a dança é mais do que um costume e um divertimento; é uma paixão, uma mania, uma febre.
Nós somos um povo que vive dançando.
" Com o advento da disco music e das discotecas, os brasileiros aderiram em massa à nova maneira de dançar, importada dos Estados Unidos, Inglaterra e outros países.
Uma forma solta e livre de se dançar, individualista, que fugia ao convencional e às regras, que permitia, inclusive, escolher entre dançar sozinho ou com um parceiro.
Reflexo das profundas mudanças sociais da época e da liberação comportamental daí decorrente, as discotecas imperaram durante, pelo menos, duas décadas, deixando semi-esquecidas as danças sociais tradicionais, de pares enlaçados e seus ritmos preferidos.
A dança a dois, durante esse período, foi praticada em poucos lugares, quase sempre localizados em bairros de periferia das grandes cidades e no interior do país.
Seus adeptos, geralmente com mais de quarenta anos de idade, eram vistos como conservadores e antiquados pela grande maioria jovem da população, amante dos vigorosos movimentos dos ritmos próprios das discotecas.
Mas o século XX, principalmente nos países ocidentais industrializados, voltados para a produção em massa e para o capital, também tem levado enormes contingentes populacionais, nas grandes cidades, a viver em isolamento.
A necessidade de evitar a solidão, a busca de companhia e de convívio humano, somada à importância adquirida pelos exercícios físicos para manter a saúde e a boa forma, têm sido os principais motivos que levam as pessoas a buscar a dança de salão.
Ela proporciona exercício físico regular e não muito puxado, por ser uma espécie de ginástica aeróbica de baixo impacto, permitindo que pessoas de todas as idades e em diferentes estados de condicionamento físico a pratiquem sem grande dificuldade.
Além disto, é um divertimento e uma atividade social, que promove o contato e a ansiada aproximação entre as pessoas.
Numa época de crise econômica e política, em que as tensões sociais se agravam, em tempos de desemprego, violência, conflitos ideológicos, desencanto, poucas esperanças, raras alternativas e queda acentuada da qualidade de vida, marcadamente nas grandes concentrações urbanas, como é bom dançar e se movimentar, para descarregar tensões, exorcizar fantasmas, exprimir livremente sentimentos e emoções, encontrar novos amigos e, até - quem sabe? - um novo amor!...
E como atrativo adicional, mas não menos importante, a dança é um divertimento barato, em comparação com outros e, em muitos casos, como temos visto, tem se tornado, também, para um número cada vez maior de seus adeptos, numa lucrativa fonte de renda, numa forma prazeirosa de ganhar a vida.
O sucesso internacional da lambada, nos anos oitenta, também contribuiu fortemente para a retomada da dança de salão como uma das atividades sociais prediletas, especialmente por parte dos mais jovens.
Estes descobriram o prazer da dança a dois através da prática da lambada, daí partindo para a tomada de consciência e aproximação de outros ritmos da dança de pares enlaçados.
A instalação de academias de dança com a proposta de ensinar a grandes grupos de pessoas de uma só vez - alunos dançando com alunos, a partir de uma nova metodologia, adequada a esta finalidade - desde a iniciativa pioneira de Jaime Arôxa, que ousou fundar sua academia, por volta de 1986-87, em plena Zona Sul, reduto maior dos adeptos da discoteca no Rio de Janeiro, também veio contribuir para a rápida multiplicação dos amantes da dança de salão na cidade.
Seu exemplo foi logo seguido por outros professores de dança.
Por outro lado, não resta dúvida de que a recente onda de saudosismo dos "anos dourados", propiciada pela crise já mencionada e pelo fato de que as pessoas que, atualmente, detêm o poder e os meios de comunicação, estão na faixa etária acima dos quarenta anos , em sua maioria, tem sua dose de participação nesse processo.
O Rio de Janeiro tem sido o polo irradiador de novas formas de comportamento, logo divulgadas pelos meios de comunicação (notadamente pela televisão) e seguidas pelo resto do país.
Com a dança de salão não foi diferente.
A "garota de Ipanema" redescobriu como é bom dançar juntinho.
Em conseqüência, a mídia começou a abrir, pouco a pouco, espaço para a dança de salão (novelas de TV, reportagens, agendas de locais para dançar, comerciais para TV, etc.) e aquela atividade social tradicionalmente praticada no interior e nos bairros de periferia voltou a ganhar os "espaços nobres" das cidades, como na primeira metade do século, num movimento cada vez mais abrangente, que promete ter voltado para ficar, de uma vez por todas.

Jussara Vieira Gomes
Historiadora e AntropólogaDançarina e Pesquisadora de Dança de Salão

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